sexta-feira, 13 de abril de 2018

ICMBio e Pataxós firmam Termo de Compromisso

Acordo refere-se a áreas no Parque Nacional do Descobrimento (BA).
No último dia 2 de abril, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e os caciques das aldeias Pataxó, localizadas na área de sobreposição entre o Parque Nacional do Descobrimento (PND) e a Terra Indígena Comexatibá (delimitada em 2015 pela Funai), firmaram um Termo de Compromisso que define regras para a compatibilização, na medida do possível, entre a conservação dos atributos naturais do Parque e o atendimento às necessidades e direitos indígenas. Assim, deram início a uma promissora parceria após cerca de 15 anos de conflitos.
A região sul da Bahia, onde se localizam o PND e a TI Comexatibá, é de extrema importância por vários aspectos, além do econômico e turístico. É a região onde se deu o primeiro contato entre os colonizadores portugueses e povos originários, o que lhe confere grande importância histórica. É também uma região de diversidade biológica excepcional, conhecida como “Hylaea Bahiana”, detentora da maior riqueza de espécies arbóreas por hectare já registrada no Brasil, da qual infelizmente restam apenas pequenos (e preciosos) remanescentes, sendo o PND um dos principais.
E é, ainda, local de grande diversidade cultural, apesar do processo histórico violento para com os indígenas, que resultou em extermínio e longo período de invisibilidade dos sobreviventes desses povos, interrompido pela decisão de lutar por seus territórios tradicionais e pela manutenção de sua identidade cultural, inclusive pelas chamadas “retomadas”, promovidas na região por grupos que se autoidentificam como Pataxó e Tupinambá.
Histórico
O Parque Nacional do Descobrimento foi criado em 1999, em meio às comemorações pelos 500 anos do descobrimento do Brasil, em uma área que pertencia a uma empresa madeireira, mas que abriga os maiores remanescentes da outrora luxuriante Mata Atlântica da região. Com cerca de 20 mil hectares, foi ampliado em 2012 para os atuais 22.693 ha. Já em 2003 ocorreram as primeiras ocupações dos Pataxó na unidade de conservação. Até 2017 houve algumas tentativas de diálogo que não chegaram a alcançar uma resolução da questão. Havia ações de reintegração de posse do ICMBio contra os indígenas (atualmente suspensas), que viviam em situação precária e de constante tensão, enquanto o Parque Nacional não era devidamente implementado por conta do conflito. Em 2015 a Funai publicou o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da TI Comexatibá, com cerca de 28 mil hectares, sendo 4.500 sobrepostos ao PND (20% da área do Parque e cerca de 15% da área da TI).
Em março de 2017, os Pataxó ocuparam a base local do ICMBio no PND, como forma de pressionar o Estado por uma solução para o reconhecimento dos seus direitos identitários e territoriais. Em meio à ocupação, lideranças Pataxó estiveram em Brasília e foram ao Ministério do Meio Ambiente, onde foram recebidos pelo ministro que determinou que se buscasse uma solução dialogada para a questão.
Em 31 de maio de 2017, na sede do Ministério Público Federal em Teixeira de Freitas (BA), o presidente do ICMBio e lideranças Pataxó assinaram um acordo que previa a desocupação da base do PND e o estabelecimento de um Grupo de Trabalho Interinstitucional com o objetivo de elaborar um Termo de Compromisso (TC). O documento estabeleceria regras de convivência entre os indígenas e o Parque e ainda proporia uma carteira de projetos de cunho socioambiental, que viabilizassem a permanência dos indígenas em bases sustentáveis até que o restante da Terra Indígena seja implementado, com geração de alternativas de renda que tragam melhorias de qualidade de vida, além de viabilizar um maior grau de implementação do Parque.
O acordo vem sendo integralmente cumprido; a base foi desocupada sem danos ao patrimônio público; ICMBio e Funai publicaram, em 30 de junho, a Portaria Conjunta que criou o Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI), com seis membros titulares governamentais (três do ICMBio e três da Funai) e seis indígenas (um de cada aldeia) e igual número de suplentes. O GTI reuniu-se na região em julho e agosto de 2017 para trabalhos de campo que incluíram informação e esclarecimento das comunidades envolvidas e as primeiras discussões sobre o conteúdo pretendido pelas partes para o TC.
A etapa seguinte foi a de elaboração de uma primeira minuta de TC para ser apreciada pelos Pataxó, pelo ICMBio, pela Funai e pelo Conselho Consultivo do PND. O GTI voltou a reunir-se em dezembro de 2017, para a incorporação de demandas de cada uma das partes, resultando em uma nova versão de minuta. Esta foi apreciada novamente nas aldeias, no ICMBIo e na Funai. Em março ocorreu a reunião decisiva do GTI, quando se chegou ao texto que foi assinado no dia 2 de abril.
Regras estabelecidas
Entre as principais regras estabelecidas, definiu-se o etnozoneamento da área de sobreposição – figura prevista na PNGATI – Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Decreto 7.747/2012), que definiu zonas de uso intensivo (onde se localizam as moradias, estruturas comunitárias e de beneficiamento de produtos, como farinheiras, além das roças e áreas de criação de pequenos animais), de uso intermediário (onde será possível o plantio em moldes agroflorestais e o uso sustentável de pequenas quantidades de madeira verde) e de uso restrito, correspondente a mais de 90% da área sobreposta, onde apenas pequenos usos extrativistas, ritualísticos e turísticos serão possíveis.
Acordou-se que não será permitida a caça, mas será possível o estabelecimento de criadouros de espécies silvestres cinegéticas nas zonas de uso intensivo. Foram definidas as atividades permitidas sem necessidade de comunicação ao ICMBio, outras com simples comunicado e aquelas que poderão ser realizadas somente mediante autorização do ICMBio.
Definidas no TC as possibilidades e impossibilidades de uso da área, o GTI tem até o final de junho de 2018 para viabilizar a carteira de projetos, que deve incluir, pelo menos, ações de recuperação de áreas degradadas e de etnoturismo e ecoturismo com a participação indígena. Com este acordo esperamos iniciar um novo ciclo na relação entre povos indígenas e unidades de conservação sobrepostas aos seus territórios, onde se busque as convergências de objetivos e interesses e se dê menos ênfase às divergências, trabalhando a compatibilização entre direitos ambientais e socioculturais. Em especial, espera-se que o exemplo do caso Descobrimento/Comexatibá sirva de inspiração para encaminhamentos semelhantes em casos como o do Parque Nacional e Histórico do Monte Pascoal e a Terra Indígena Barra Velha, na mesma região, entre vários outros existentes em todas as regiões do Brasil.
Foto: Gabrie Schulz.

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