quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Governo libera pesca em época de reprodução dos peixes e fala em fraudes no seguro-defeso

Texto O Eco de 12/10/2015

Quando o ajuste fiscal começou, no começo do ano, um assunto entrou na pauta: a grande quantidade de beneficiários do seguro-defeso, o salário mínimo pago aos pescadores artesanais para não pescar durante a época reprodutiva dos peixes. O governo estava convencido de que havia fraude em larga escala nesses benefícios.

Com o pretexto de passar a limpo o cadastro dos pescadores artesanais e evitar fraude, o Ministério da Agricultura, que absorveu o Ministério da Pesca após a extinção deste na última reforma ministerial, suspendeu o período de proibição, o chamado defeso. O benefício do seguro não é pago enquanto o pescador continuar trabalhando. Assim, o governo ganha tempo para recadastrar os pescadores e deter as fraudes, sem precisar travar uma briga com os sindicatos dos pescadores.

O Ministério da Agricultura alega, em nota que “assim, não há prejuízo social para os pescadores e nem risco predatório para o meio ambiente”, já que a publicação da portaria coincide com o fim do período de proibição da pesca e da consequente liberação da atividade pelos próximos oito meses. Entretanto, a própria portaria desmente a afirmação do Ministério, com informações que são irreconciliáveis. Ela libera a pesca por 120 dias (ou seja, até o dia 6 de fevereiro) e pode ser prorrogada por mais 120 dias. Ao mesmo tempo, a portaria lista, por exemplo, o período de defeso do curimatã (Prochilodus spp), piau (Schizodon sp), sardinha (Triportheus angulatus) e branquinha (Curimatidae) no Rio Grande Norte e Paraíba, que ocorre entre 10 de dezembro e 28 de fevereiro, anualmente. Ou seja, a portaria libera a pesca dentro do período de defeso de mais de uma espécie.

Assinada pelo Ministério da Agricultura em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, a medida coloca em risco os próprios recursos pesqueiros. O período de defeso garante o recomposição da população das espécies pescadas. Outra medida protetiva é a moratória, quando a espécie está em risco de extinção e se declara um período onde a pesca fica proibida. Foi o que determinou a lista vermelha de peixes marinhos ameaçados de extinção, a polêmica portaria 445, suspensa pela Justiça em junho, a pedido do setor da pesca.

A norma estabeleceu proteção integral -- proibição total da pesca por período indeterminado -- para 475 peixes ameaçados de extinção. Originalmente, todas as espécies que constavam nesta lista não poderiam ser pescadas quando a portaria entrasse em vigor. Mas ela ainda está suspensa na Justiça e os peixes, cujos estoques estavam abaixo do aceitável (e por isso foram postos na lista) poderão ser pescados mesmo na época de reprodução.

Custos

O recadastramento dos beneficiários do Bolsa Pesca segue os dados de uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou o desvio de 19 milhões de reais em pagamentos irregulares de seguro defeso entre janeiro de 2012 e junho de 2013. Só em Brasília, sete mil supostos pescadores recebem o salário-defeso, segundo o jornal O Globo.

Se o governo não sabe quantos pescadores, dentre 1 milhão cadastrados, exercem a atividade de fato, menos sabe o que se pesca, onde e a quantidade. O Brasil não produz estatística pesqueira desde 2008. O cálculo da economia em não pagar o seguro-defeso já foi feito pelo governo: pode chegar a 2,7 bilhões. As perdas de biodiversidade marinha e de estoques pesqueiros só serão calculadas no futuro, e pode ser tarde demais.

FONTE: Texto do O Eco, disponível também aqui.

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